domingo, 22 de fevereiro de 2015

AUGUSTO SEVERO NOS ARQUIVOS FRANCESES PESQUISA DE LAURA CIARLINE

Augusto Severo nos arquivos franceses: nota preliminar

Boa Sorte!

-           Por quê? O Pax é robusto e fiel. E mais, eu sou fatalista, e se esta escrito que eu devo morrer hoje, eu morrerei, voilà tout!  (...)

(Le Figaro, 13 de maio 1902)



E assim foi dito, de maneira leve, mas com ares de profecia, naquele dia 12 de maio de 1902, uma manhã enfim ensolarada as cinco e vinte e cinco da manhã, numa Paris que ainda dormia, as ultimas palavras de um homem que sonhou com a gloria, que viveu pelo progresso e que morreu pela paixão.   

Augusto Severo de Albuquerque Maranhão nasceu a 11 de janeiro de 1864, em Macaíba. Filho de uma importante família norte-rio-grandense fez carreira na política e a partir de 1893 até a sua morte em 1902, foi reeleito sucessivamente ao congresso nacional. Como tantos outros personagens, Augusto Severo poderia ter ficado na historia do nosso estado como mais uma figura política advinda de uma oligarquia poderosa, mas Augusto Severo estava destinado a mais.

Seu amor pela tecnologia o levaria longe, longe da sua terra, longe das suas economias, longe dos seus deveres. A sua vida foi dedicada a construir balões dirigíveis, a buscar como tantos outros no final deste século XIX e inicio do século XX evoluções tecnológicas que permitissem ao homem de domar o ar.

E nesta paixão pelo novo, pelo progresso, Augusto Severo deixou pela ultima vez sua terra potiguar no ano de 1901 para entrar na historia não somente do Brasil, mas também dos arquivos franceses, onde repousam hoje as ultimas impressões de figura tão brilhante.

Foi com uma emoção quase pueril que nos vimos a ler as primeiras frases, de um editorial na primeira pagina da edição do13 de maio de 1902 do Le Figaro escrito por George Boudon, onde emocionado ele descreve seu ultimo encontro com Augusto Severo no hangar construído especialmente para ele por M. Lachambre, na Rua De La Quintinie, dias antes da ultima e trágica tentativa de levar aos ares o Pax. Um homem com alma de criança, assim o descreveu, um homem enérgico e apaixonado, um homem que buscava a gloria, muito mais a gloria de um pais que a gloria pessoal.

A impressa francesa descreveu com horror e dor a catástrofe que tirou Paris dos seus sonhos tranqüilos naquela manha dos 12 de maio, raros foram os periódicos que não relataram ou falaram do assunto. Afinal, um acidente como este não acontece todos os dias, em plena Paris, em pleno coração do XIVeme arrondissement. Foi uma catástrofe que não somente saia do ordinário (afinal não é todos os dias que um balão explode nos ares e cai em plena Avenida do Maine), mas também pela perda humana, dois homens, dois pais de família, dois amigos, renderam as suas almas pelo bem da ciência, Severo e seu mecânico Sachet.

Não podemos esquecer que no meio cientifico, infelizmente, os erros também dirigem ao progresso, a morte de uns levam ao sucesso de outros como fatalmente disse em entrevista sobre o acidente, nesta mesma edição do Le Figaro, o coronel da aeronáutica francesa, M. Renaud:

(...) O que vocês querem? O progresso é um terrível comedor de homens. A conquista dos ares custara ainda muitas vidas humanas! (...)  

(Le Figaro, 13.05.1902)

E a vida humana que nos interessa aqui é a de Augusto Severo e a reação da imprensa francesa sobre a sua morte e o acidente. A frança foi neste inicio de século XX o centro das pesquisas e das evoluções tecnológicas do mundo, a exposição universal de 1889, e a construção da Torre Eiffel, ainda marcam com força as mentes do gênio francês na engenharia.  O êxodo de cientistas e engenheiros do mundo inteiro a cidade luz, contribuíam a dar esse ar de esperança e estimulo aos cientistas de todo o mundo.

Os jornais do inicio do século estão cheios de notas, artigos e historias sobre as tentativas de mudar o mundo através da engenharia. Outros casos, outros acidentes fizeram a primeira pagina dos jornais alguns anos antes, como o caso em 1898 da morte do Austríaco Woelfert, que tentou também, levar aos ares um balão dirigível movido a motor a combustão.  

A nossa pesquisa tem como objetivo em um primeiro tempo, coletar todos os artigos disponíveis que apareceram na imprensa sobre a catástrofe do Pax, como a morte de Augusto Severo foi relatada e como a sociedade parisiense via realmente o potiguar. Trata-se aqui de uma leitura que parte do ponto de vista francês, um olhar muitas vezes duro, onde a critica ganha espaço.

Pois, mesmo si neste primeiro artigo encontrado no Le Figaro, a emoção é clara, as pessoas entrevistadas não hesitam em condenar a falta de experiência de Severo. Muitos o criticam abertamente.

O compatriota Santos Dumont, entrevistado sobre o acidente declara que as razões possíveis do desastre são claras, afinal não esqueçamos que Severo colocava em pratica um sistema revolucionário na construção de dirigíveis, mas o motor a combustão e a utilização de um gás tão inflamável como o hidrogênio, acarreta a um risco de grande de explosão, mas que Santos Dumont mesmo não poderia se pronunciar mais sobre o assunto, pois dado as raízes comum dos dois cientistas ele preferiu se manter discreto durante a preparação  da experiência e assim evitar rumores na imprensa de inveja ou competição.

Ainda na mesma edição do Le Fígaro, em primeira pagina um segundo artigo, neste como em tantos outros jornais, os repórteres vão tentar entender o porquê, o porquê de uma morte tão cruel, e quem fora este homem, apaixonado ao ponto de se arruinar financeiramente e de arriscar a sua vida pelo bem da ciência.

Igualmente na edição do jornal Le Temps, onde o repórter, testemunha ocular do acidente, fala com emoção das ultimas palavras trocadas com Severo, dos seus últimos risos, do ultimo beijo trocado com a sua esposa, minutos antes que o terror se instale entre o reduzido grupo presente.

 Uma informação que nos trás a leitura das fontes francesas é sobre a quantidade de pessoas presentes na hora do acidente, contrariamente ao que se pensa, vários jornais atestam que dada à hora matinal do vôo (cinco da manha), só teriam estado presentes membros da família de Severo, amigos da comunidade brasileira repórteres e pessoas do meio da aeronáutica. Assim dito, a elite parisiense, grande apreciadora de Severo, foi ela acordada pela catástrofe, mas poucos foram aqueles que acordaram para ir vê-lo, no que Severo pensava ser o seu grande triunfo. 

A revista especializada “La Revue Scientifique no seu numero 21, datando do 21.05.1902, apos descrever o Paxminuciosamente e levantar varias hipóteses da causa técnica do acidente, termina o seu artigo de duas paginas por um parágrafo onde as magras experiências anteriores de Severo teriam sido a verdadeira causa humana de tão grande tragédia.

(...) O senhor Severo, teria feito no total, três ascensões livres em toda a sua vida. O que não é suficiente para manobrar uma aeronave. (...) A invenção vem de uma só vez, sem estudos sem experiências anteriores, como ficar surpreso com a derrota? (...)

(G. Espitallier, La Revue Scientifique, n. 21 – 24.05.1902) 

A catástrofe foi descrita em praticamente todos os jornais no dia seguinte à tragédia, os ricos arquivos da Biblioteca Nacional da França, nos inundam de fatos, entrevistas, perfis que descrevem mais o homem que a tragédia propriamente dita. Pela descrição dos jornais, nos podemos crer que Severo era figura conhecida e admirada em terras francesas.

Os artigos encontrados não se resumem aos três exemplos que nos apresentamos, artigos de igual importância foram dedicados em outros periódicos como; Le Journal dês Debats, Le Petit Parisien, Le Petit Journal, L’illustration, La Gazette AgricoleLa Croix entre outros. Mesmo o grande periódico americano The New York Times dedica uma serie de seis artigos sobre o acidente e sobre Severo.

Em todo caso, não podemos negar o impacto internacional da morte de Augusto Severo, não esqueçamos que o período ao qual viveu foi tempo das transformações, da evolução tecnológica, da ciência como motor das mudanças sociais. Severo gozava de uma ótima imagem no meio social francês, homem simples, apaixonado, dedicado. Os arquivos franceses têm nos mostrado que a perda humana do Pax causou emoções, mas nos mostram também que Severo foi muitas vezes julgado pela sua ingenuidade e pela falta de experiência.

Novas leituras e arquivos vão vir se unir a nossa pesquisa. Arquivos presente no Museu do Ar e do Espaço, no Ministério das Relações Exteriores, nos Arquivos Nacionais de Paris, assim como outros vão nos ajudar nesta empreitada de tentar reconstruir a imagem de Severo deixada na frança e vista pelos franceses, uma imagem talvez diferente daquela do Brasil, mas certamente uma imagem de um homem que viveu e morreu pela sua paixão.

                                                                                        Laura Ciarlini

                                                                            Mestranda em Relações Internacionais e Historia do Mundo Atlântico na Universidade de Nantes França "

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