segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

ALGUMAS POEMAS DE HENRIQUE CASTRICIANO

Beijos
As vezes, penso comigo 
Que há beijos de toda cor; 
Beijos que trazem consigo 
Mil prisma, como o amor. 
Assim, o beijo de Judas 
Tem a cor da escuridão: 
Guarda o horror das trevas mudas 
E a negrura do carvão.

É negro, bem como a sombra 
É traiçoeira na alfombra.

Parte um noivo, que enlouquece 
Beijando a noiva, com pejo ... 
Não sei porque, mas parece 
Que é tão azul este beijo !

É azul porque a saudade 
Tem a cor da imensidade !

Na liça, o guerreiro bravo 
Vê cair o irmão exangue: 
Beija-o e foge, que é escravo ... 
Mas leva nos lábios sangue ...

Dado embora de joelho, 
Aquele beijo é vermelho.

Quando afago a minha filha 
E cinjo-a de encontro aos flancos, 
Seu rosto como que brilha ... 
Os beijos de mãe são brancos.

São brancos, bem como a lua 
É alva, quando flutua ...


Febre
Por toda a parte rosas brancas vejo... 
Rosas na fímbria loira dos Altares, 
Coroadas de amor e de desejo... 
Rosas no céu e rosas nos pomares. 
Uma roseira o mês de Maio.

Aos pares 
Surgem, da brisa ao tremulante arpejo, 
Estrelas que recordam, sobre os mares, 
Rosas envoltas num cerúleo beijo.

E quando Rosa, em cujo nome chora 
Esta febre cruel que me devora, 
De si me fala, em gargalhadas francas,

Muda-se em rosa a flor de meus martírios, 
O som de sua voz, a luz dos círios... 
O próprio Azul desfaz-se em rosas brancas.



Quando Nasceu
A Minha filha, como agora, eu penso, 
Era, quando nasceu, 
Um anjo de olhos cor do mar, suspenso 
De um sonho cor do céu.  
Hoje um mês completou. Lírios se abriam, 
Aos raios da manhã, 
E, abrindo as folhas, trêmulos, diziam: 
Nasceu-nos uma irmã.  
Movendo os negros cílios delicados, 
De miragens tão nus, 
Ela sentiu os olhos magoados 
Por um raio de luz.  
Então, chorou. Um prófugo vagido 
Do seio lhe saiu, 
Tão leve como o ar, mais tênue que o gemido 
Que um sorriso partiu ...  
Por que será que a lágrima primeiro 
Brilha nos olhos castos da criança, 
Antes que o riso, místico e fagueiro, 
Venha tecer-lhe um nimbo de esperança ? 
  
Por que a dor nesta penumbra santa 
Do poema da vida, no universo, 
É a primeira estrofe que se canta 
E sempre, e sempre ... o derradeiro verso?  
Na gaze envolta de infinita mágoa, 
Na solidão do luto e da saudade, 
Dir-se-ia a terra, pobre gota de água 
A boiar ... a boiar ... na imensidade!  
De minha filha a lágrima bendita 
Está no céu ... ai! quando quero vê-la, 
Contemplo o azul da abobada infinita, 
E vejo-a transformada numa estrela.  
Porque-bem sei que Deus recolhe o pranto 
Da criancinha escrava do martírio: 
Guarda-o depois, em cofres de amianto, 
Mudado em astro ou transformado em lírio.  
Se esta verdade uma mentira fosse, 
Nossa Senhora não viria à terra, 
Trazer, num beijo cristalino e doce, 
Toda a inocência que a criança encerra.  
........................................................................... 
...........................................................................  
Que seria, do céu, loiro e divino,  
Sempre queimado pela luz do sol ?  
Basta a mãozinha branca de um menino  
Para extinguir o incêndio do arrebol !

Nenhum comentário:

Postar um comentário